Pensamentos

Senti a vossa falta, senti falta de vos ouvir, de vos ler e de vos pensar, um dia sem vos ver parece uma eternidade, depois, fica esta sensação de querer dizer tudo de uma só vez, sinto a falta da perna do "a" que fazia na primária, sinto falta de desenhar o "S" e o "F" maiúsculo, sinto falta do "Era uma vez", sinto falta dos "Ditados" e das "Composições", dos erros e dos castigos, sinto falta do "p" antes do "t", do "m" antes do "b", sinto falta de ler um texto que me leve às origens, sinto falta das vossas palavras e dos vossos comentários, sinto falta do dialecto do povo, dos rumores e dos mitos, sinto falta do retrato, do papel e do lápis n.º 2, sinto falta da borracha em tons de azul e vermelho, sinto falta de cantar a tabuada, sinto falta de ser, sinto a falta de todas, de todas as palavras, as que conheço e as que ainda não conheço.     

Sobre ti, tenho as melhores lembranças, as melhores recordações, foste sábio em palavras, em actos, foste amigo, cúmplice e educador, foste a vida, a memória, a verdade e a forma, relembro com saudade todos os teus ditos, relembro em especial o "doze, rebordoze, vinte e quatro com catorze, dezasseis com vinte e um, dá um cento menos um", relembro o teu trabalho e a tua conquista, quando passo por aquela rua, relembro os teus pequenos olhos cheios de amor, de compreensão, relembro os teus beijos cheios de intensão, relembro a espera pelo comboio que te trazia, relembro a janela que era cúmplice da tua chegada, o aceno que davas, sempre à mesma hora, no mesmo local, a pressa que trazias em ver-me, a calma com que me acarinhavas, relembro a mão firme e forte que me transmitiu o que hoje sou, relembro o abraço com tanta saudade, as lágrimas com que te chorei, relembro o não querer falar de ti, relembro cada dia, cada momento, relembro a tua presença na minha vida, relemb...

Existem aqueles lugares pequenos onde nos podemos esconder, existe o tempo de um dia frio e chuvoso, existe o quadro de um azul celeste e luminoso, existe aquele lugar onde as pessoas chegam e tomam a liberdade apressada, e ainda o lugar onde entram com olhar perdido à procura do futuro e do nada, existem muralhas erguidas à volta de um peito que não deixam partir nem deixam ficar. Enquanto espero por esse lugar, percorro os sinais e a memória do que fomos e do que ainda resiste, as marcas deixadas na alma do que foi triste, gosto de sentir o teu abraço fechado e o calor da tua saudade, gosto do teu olhar e das palavras que dizes sem falar, gosto do teu tempo, do que me dás na tempestade, gosto de espreitar aquele lugar onde estou, onde jamais quero ficar.

Saio e vou em direcção oposta, caminho por entre os trilhos e as pedras, ainda distante ouço o barulho do meu destino, no bolso levo a minha mão transpirada, no olhar, o desejo do concreto e do imaginário, a luz é escura e o dia está cinzento, por vezes o sol aparece como que a dizer "bom dia", embora sinta as pernas a tremer, não as consigo fazer parar, tenho aquele lugar no pensamento e é até lá que quero ir, deslumbro no horizonte a imagem que procuro, aquela que me dá o alento e a vontade de continuar, passo por pontes estreitas que vagueiam sobre a terra e o mar e interpelam o céu para me deixar passar, entre mim encontro a minha outra face, o meu outro eu, entre mim e eu faço o caminho que nem sempre quero, que nem sempre posso, estou perto, sinto que estou perto, sinto os meus passos, sinto que vou para onde o eu me deixar ir.

Mais que tudo, estou só, somente só, eternamente só, estou a um passo, um passo do tudo, do nada e do que mais houver, lá fora só mentira, só desespero, só folhas caídas, despidas e secas, lá fora só pedras sujas e cheias de história que não queremos, mas devíamos, ouvir, só o choro do desespero, só o mundo esquecido, lá fora a carta e o rascunho, a caneta e o lápis, as palavras e os desafios, lá fora como cá dentro quero ver-te a sorrir, quero esquecer e por isso hei-de amar, hei-de atar cada lugar, cada rumo, cada momento, penso em ti e protejo o que me dás, cá dentro, onde chegas sem medo, cá dentro onde ficas em mim, onde o tempo dói, cá dentro onde abraço o teu sentido e o que parece perdido, vou guardar-te, vou amar-te, vou viver-te, vou chegar contigo onde só chega alguém que não teme a tempestade. Somente juntos, somente só.

Não é nada mais que falar sobre mim e sobre aquilo que o meu pensamento pensa sobre ele próprio, estou sentado numa cadeira emprestada, diante de umas tantas camas com uns tantos pacientes, todos estão bem, o ambiente é tranquilo, honesto e desinteressado pelo mundo avesso e conhecido por todos, os rostos são de ausência e reveladores de uma dor profunda, de uma dor que explicada jamais poderá fazer sentido, a dor da solidão, olhos vazios, cheios de uma certeza vivida, olhos postos em mim e nos que aqui vem, olhos gratos pelo sorriso, são almas tristes e submersas em pensamentos levados e arrastados pelo tempo da memória, lembro a ausência da fé, pois a tormenta e a aflição são profundas e a fé está na porta que se abre e que se fecha mas que não deixa entrar nem sair ninguém, estão sós, prontas para tudo e conscientes do nada, são vozes que tocam as lágrimas de quem as ouve, sinto-me dentro dessa gente e então penso, a solidão é o sentimento mais profundo e mais intenso que podemos vi...

Vou falar contigo, vou pelo céu à tua procura, vou às cavalitas, escondido pela minha alma, vejo a estrela mais bonita, vou ser o príncipe da tua história, vou seguir os teus conselhos e voltar para ti, os teus olhos são esperança, já deixei de ser criança e mesmo sem saber se me vais ouvir, vou falar contigo, tenho saudade das tuas palavras, tenho saudade do mundo e da sua plenitude, tenho saudade do teu colo, tenho saudade das cores do vento, tenho saudade de ouvir as pedras a discutir pelo melhor caminho, tenho saudade da tua presença em mim e em nós, fazes-nos falta, é impossível existir sem te abraçar, é impossível fechar os olhos e nada ver, contigo, é impossível esquecer, é impossível ter-te só para mim, fazes-me falta, fazes-nos falta, vou abrir o livro da tua vida, vou desfolhar a tua história sem fim, vou ler cada vírgula e cada ponto, cada vale e cada montanha, cada mar e cada rio, vou ler tudo o que criaste, fazes-me falta, fazes-nos falta....

Sentir, conseguir tocar o sentimento, viver, conseguir ouvir a vida, amar, conseguir respeitar o amor, gritar, conseguir apreciar o silêncio, se quiseres assim, és parte de mim, para onde olhas eu vou, assim que vieres, distante, abraço-te no infinito do tempo perdido, agarra-me hoje, olha-me hoje, sente-me hoje, porque amanhã não sei se aqui estou, não sei se o voar do meu pensamento me levará para onde quiser, quero ser a tua banda desenhada, os quadrados de uma vida, quero ficar no teu escuro e sentir que estás onde estou, ninguém fala de quem falou, ninguém vê o que nunca viu, vou virar as costas e deixar-me cair até me segurares, vou deixar escrever as vogais e as consoantes sem acentos, vou fazer a rima e a prosa, vou virar o norte para o sul, vou sentir, vou viver, vou amar e vou gritar. 

Quero ver as janelas abertas e as portas por abrir, quero saltar o pensamento que estou a ter, quero ver a luz na madrugada e o silêncio que daí advém, os dias cinzentos são os mais belos pois tenho a certeza que depois deles a luz reinará, hoje, caminho pelo chão que jamais pisei, faço deste trajecto o meu ser, tenho o poder dominante e a intemperança de todo o mal, é mais fácil desistir, é difícil não chorar, não quero ser o primeiro mas também não quero ser o último, não quero ser as lágrimas que vês. Amanheci e vesti-me de preto com um gesto cansado e um olhar pelo deserto, não quero ser o tempo que acabou, quero ser o rosto de um velho e a sua perseverança, quero ser o infinito tocável, quero ser o espaço vazio e as sombras de que falam, quero ser mais alto que o muro para espreitar o teu mundo, quero ser as palavras proibidas, traídas, que fogem e dizem....não me deixes nunca.  

Hoje, não quero mais palavras rasgadas, não quero mais silêncio escondido, hoje, não quero o tempo cheio de pedaços de nada, hoje, quero o mundo inteiro no teu olhar, quero cada lugar teu, hoje, quero o rasto do sol, a imortalidade do teu abraço, quero os teus achados e os teus perdidos, hoje, preciso de ti, preciso da tua dor, do teu desespero, hoje eu sei mas não o quero dizer, hoje, acredito em castelos no ar, no sentimento do acreditar, hoje eu sou, simplesmente, o que queres que seja.

É muito tempo a descobrir o tempo, a desejar o tempo, a levantar marés, é muita a distância entre o silêncio e a voz, a vida vai rasgando os bocadinhos que são gastos pelo mundo, tu que sabes tanto de mim, tu que sentes quem eu sou, o medo fechou para abrir-se a outra margem de mim, são muitos dias de labirinto sem saída prevista, é muita vida a planar sobre o que sinto, dá-me um gesto que me diga o teu fundo, uma palavra que te possa tocar, dá-me o teu lugar encantado, dá-me a outra margem de mim.

Bem haja a memória e a razão da idade, bem haja a verdade e a rectidão de pensamento, bem haja a integridade, a humildade e a dignidade, bem haja a sabedoria da experiência e a juventude da velhice, todo aquele que envelhece e que segue atentamente esse processo poderá observar como, apesar de lhe faltarem as forças e as acções deixarem de ser as que eram, a vida pode, até ao seu ómega, ano após ano, ser capaz de aumentar e multiplicar a interminável razão da amizade, e como, desde que a memória se mantenha atenta e desperta, nada daquilo que é transitório e já se passou se perde. Ao envelhecer deixamos de escutar para prestar atenção ao que as pessoas fazem, ao envelhecer somos capazes de olhar a Deus de mais perto e assim ter todas a idades.